A torra de café é um processo delicado e complexo que transforma grãos de café crus, ou verdes, em grãos aromáticos e saborosos que todos nós conhecemos e amamos.
Em princípio, o sucesso da torra de café depende do trabalho do mestre de torra, que é uma síntese de arte e ciência.
Mestre de Torra
O papel do mestre de torra – profissional responsável pelo planejamento, execução e controle do perfil de torra – é controlar cuidadosamente o processo de torra para destacar os sabores e aromas únicos de cada tipo de grão de café.
Contudo, é preciso compreender que cada grão de café traz consigo uma “história” diferente e única, desde a lavoura até a torrefação.
Com efeito, essa “história” do grão de café depende de uma série de fatores que, de fato, individualizam as propriedades de cada um deles.
Com o propósito de esclarecimento e transparência, a maioria das torrefações apresenta nas suas embalagens de café especial as informações mais relevantes para o consumidor, tais como: a região de origem, o produtor, a altitude, a variedade e o método de processamento pós-colheita do grão.
Entretanto, para o mestre de torra essas informações, apesar de necessárias, não são suficientes.
O planejamento da torra exige outros dados da “história” do grão, sobretudo os relacionados com as suas propriedades intrínsecas.
De forma não exaustiva, pode-se citar algumas delas: o teor de umidade, a densidade, o formato e o tamanho do grão.
Além disso, antes da aquisição de um lote de café, que pode ser um microlote ou mesmo um nanolote, é preciso avaliar sensorialmente a qualidade da bebida, classificando-a com uma nota que, no caso de cafés especiais, deve ser maior ou igual a 80 pontos em 100 pontos possíveis.
Em síntese, o bom mestre de torra é aquele que avalia a “história” de um determinado grão de café para poder planejar, executar e controlar a torra e, por fim, entregar o melhor resultado possível na xícara, extraindo daquele grão seu máximo potencial em termos sensoriais.
O Processo de Torra de Café
Didaticamente, pode-se dividir o processo de torra de café em duas grandes etapas: etapa física e etapa química.
Etapa Física
Em primeiro lugar, a etapa física da torra, precedessora da etapa química, é onde ocorre a desidratação ou secagem do grão.
Só para ilustrar, os grãos verdes iniciam o processo de torra com um teor de umidade entre 10% a 12% e, ao término, dependendo das condições da torra, apresentam um teor de umidade em torno de 2,5% (reações químicas, durante a torra de café, também geram uma quantidade considerável de água).
Ao final dessa etapa, a umidade dos grãos de café é evaporada, os grãos se expandem e adquirem uma cor amarelo claro.
Etapa Química
Em segundo lugar, a etapa química da torra, sucessora da etapa física, é onde ocorrem as reações químicas que permitirão a transformação do grão torrado em bebida.
Ao término dessa etapa, a porosidade do grão estará muito aumentada e o seu volume será, em média, o dobro do volume do grão verde.
Entre as diversas reações químicas que ocorrem nessa etapa, as mais importantes são: Reação de Maillard, Degradação de Strecker, Caramelização e Pirólise.
Reação de Maillard
A reação de Maillard é uma reação química complexa que ocorre entre aminoácidos e açúcares redutores, em temperaturas entre 140°C e 165°C, criando centenas de novos compostos químicos.
Essa reação recebe esse nome em homenagem ao químico francês Louis-Camille Maillard, que a descreveu pela primeira vez em 1912.
Durante a reação de Maillard, os aminoácidos e açúcares redutores no café passam por uma série complexa de reações químicas que resultam na formação de novos compostos que contribuem para o sabor e aroma do café.
Esses compostos incluem pirazinas, enóis e outras moléculas ativas de sabor que dão ao café seus sabores distintos de nozes, chocolate e caramelo.
A reação de Maillard também faz com que os grãos escureçam, contribuindo para a cor marrom característica do café torrado.
Caramelização
A caramelização é uma reação química que ocorre durante a torra do café, na qual os açúcares presentes nos grãos de café são transformados em compostos caramelizados, resultando em uma cor marrom e um sabor doce e de caramelo.
A reação de Maillard ocorre tipicamente entre 140°C e 165°C, enquanto a caramelização pode ocorrer a temperaturas mais baixas ou mais altas, dependendo dos açúcares e das condições de aquecimento.
A sacarose é um dos principais açúcares presentes nos grãos de café, passando por uma série de reações químicas durante a torra.
Inicialmente, a sacarose é quebrada em glicose e frutose por hidrólise.
Esses dois monossacarídeos passam então por um processo chamado isomerização, onde são convertidos em enóis.
Os enóis passam então por uma série de reações químicas, incluindo desidratação e polimerização, levando à formação de compostos caramelizados.
Esses compostos têm uma cor marrom característica e um sabor doce e de caramelo, contribuindo para o perfil sensorial único do café.
Degradação de Strecker
A degradação de Strecker é uma reação química que ocorre durante a torra do café.
Ela é responsável por gerar compostos que contribuem para o aroma característico de café torrado.
Só para ilustrar, a fração volátil do café torrado é altamente complexa, consistindo em mais de 1000 compostos aromáticos.
Durante a degradação de Strecker, aminoácidos reagem com dicetonas (derivadas da reação de Maillard) para formar aldeídos de Strecker.
Esses aldeídos possuem um odor característico e contribuem para o aroma de café torrado.
Reação de Pirólise
A pirólise é um processo de decomposição térmica, pela ação do calor, em um ambiente com pouco ou nenhum oxigênio.
Ela envolve a quebra de moléculas orgânicas complexas em moléculas menores e mais simples.
Na fase final da torra do café, com temperaturas elevadas, a pirólise é a reação química predominante.
A pirólise compreende a decomposição de açúcares, proteínas, lipídios e outros compostos orgânicos presentes nos grãos de café.
Além disso, há liberação de gás carbônico e vapor d´água, formando uma grande variedade de compostos voláteis.